sábado, 16 de agosto de 2014

PRÓLOGO "SER OU NÃO SER..."

SER OU NÃO SER...


Há muito tempo as questões de como um ator deve ser, seu comportamento e qual a relação do ator com o teatro vem sendo discutido e estudado. Como a arte de interpretar deve ser encarada? A visão pode parecer subjetiva, mas deve-se parar para pensar e encontrar a essência da arte de atuar. O espetáculo conferência: “Palavra de Ator” foi encenada na Oficina Cultural Sérgio Buarque de Holanda da cidade de São Carlos no dia 31 de agosto e deu uma excelente abertura e muitos caminhos para se chegar a alguns questionamentos e algumas conclusões. 

“Palavra de Ator” é apresentada em português. Maurice Durozier inicia o trabalho servindo para a plateia um tchai – chá indiano com temperos. “Para despertar os sentidos”, explica o ator. “A ideia é sublinhar as contradições de quem representa e, longe de revelar o mistério, a montagem é um convite para entrar na intimidade do ator, do outro lado da cortina”, ressalta. O texto revela sensações, interrogações e convicções que vêm do palco, frequentado há mais de 30 anos por Durozier. Ele assina o texto e a direção, e divide o palco com Aline Borsari.

O ator/atriz nasce com o dom. O dom do talento, da disciplina, responsabilidade, generosidade, doação, empréstimo, dedicação, entrega e muitos outros requisitos que podem formar um ser atuante no palco e aos seus arredores. O ator deve se entregar ao oficio e nele viver completamente. Mas só o dom é necessário? Claro que é muito importante, mas muitos dos requisitos citados acima podem ser absorvidos pela pessoa. O ator/atriz deve se doar ao interpretar uma personagem e nela acreditar na verdade da história representada e na história de sua própria personagem. Nos caminhos que a criaram. O ator/atriz generoso que deve ser “empresta” seu corpo, sua voz, sua mente, seus músculos, seus sentidos, sensações, seu tudo para dar vida a um ser. O ego que persegue todo ator/atriz não pode estar na frente do propósito principal que é o bem de um todo e não de um individual. Sua função engloba muitos aspectos dentro de uma atuação: texto, marcações, entradas, saídas, foco, objetivo dramático, interpretação, transpor as sensações, os movimentos, a contribuição ao contracenar, a vida da personagem, suas emoções, ações e muitas outras variantes das dimensões para alinhar o espetáculo e servir de um elemento dentre os outros. Não é fácil! É fundamental pensar que ao se entregar a personagem deve-se vivê-la e senti-la, assim compreendendo sua participação naquela historia e na sua história passada, mesmo não estando explicito no texto, tem que haver esse entendimento para dar profundidade e direcionamento na construção do psicológico, emocional, físico, o interior e o exterior da personagem. Em cena não é o ator/atriz que é o foco, mas sim a personagem que através de seu trabalho de generosidade e de ser imune de qualquer idolatria é dominado e a entranha do ser criado é posto. A personagem acostumada que é muitas vezes aguarda ansiosamente seu encenador/criador se abster desse propósito de estar na frente dos holofotes e ao perceber realmente o despojamento desse obstáculo entrar em cena e dialogar com a plateia o verdadeiro fazer real. Em cena tem que haver a doação latente, mas sem esquecer a razão que deve estar aliada as ações para que elas possam preponderar assim como a de não querer ser a estrela, mas sim um elemento de transposição a outro colega de cena ou do espetáculo preparando e cultivando o caminho para o próximo passo do enredo. É ser desprovido de bajulação ou de autoafirmação de palmas ou palavras que massageiam o ego pelo seu trabalho e delirar com a entrega de fazer parte daquilo e com seus aspectos e assim ser a essência. O fato de se considerar um ator/atriz não faz a pessoas ter o direito de agir como se no mundo tudo ela pode. Sair pelas ruas, se embebedar e criar situações que exponha na sociedade como se sua função fosse essa: ser a atenção e ser desprovido de vergonha. Uma grande confusão. Não é isso que deve ser apresentado a sociedade. Um ator/atriz não deve ter pudor ao representar, mas na vida particular não é preponderante agir como um ser hipoteticamente liberal, destruindo sua essência e dando um sinal de falsa dominância, que na verdade é uma fuga interior desesperada por aceitação. O instinto de querer ser o melhor, não pode ultrapassar os limites da gratidão, desde o diretor a camareira, onde todos colaboram para a eficácia e preparo. Muitos dos que estão por trás são aqueles que conhecem mais os bastidores e o caráter do ator/atriz. Ignorá-los é ignorar seu processo e sua criação. Deixar subir á cabeça e se achar superior, deleta os suportes e destrói o alicerce.O ator/atriz tem a responsabilidade de levar as pessoas “mundos” diferentes, indagações, pensamentos, emoções, sensações, características, seres que se assemelham ou que fazem parte da imaginação de muitos, lazer e veracidade no instante. No palco tudo fica mais claro aos olhos e a catarse atinge ou deverá atingir o coração, o consciente, o subconsciente e a mente do público. Não é a toa que em muitas épocas a função do ator/atriz assim como o teatro foi perseguido e jogado de lado em muitos lugares, e com isso seu progresso foi acorrentado, o teatro faz com que o ator/atriz tenha o “poder” de ser quem ele quiser, o torna um “Deus”, e isso deixava ou deixa de muletas muitos dogmas e paradigmas que se fortaleciam e até se fortalecem com a centralização de apenas um ser assim. Atores/Atrizes o papel não é ser o diferente e sim como fazer o diferente ser a diferença.