Análise
crítica do espetáculo “O Por do Sol” – Cia. QPA – Apresentação no Mapa Cultural
de São Carlos de 2013
A
Cia. QPA iniciou o seu espetáculo com uma cena que podemos chamar de fazer
teatro no teatro. Os atores adentraram ao teatro por uma das portas de entrada
na parte superior do palco e desceram o corredor e começaram a dar a intenção
que aquele momento era de “apenas” mais um ensaio. Podemos dizer que foi uma
maneira interessante. Para quem já tinha assistido ao outro trabalho da Cia.
teve a sensação da realização de trabalhos com objetivos diferentes, diversificados.
O enredo nos apresenta a figura de um regente chamado Armando que comanda um
coro e tem ao seu lado um ajudante chamado Confusão, personagem muito bem
pensado, mas com falta de preparo em suas características. Vale ressaltar a composição
do personagem Armando que por uma linha muito tênue não se confunde com um
mágico, mas com características de um palhaço circense. Do ponto dos primeiros
nomes podemos tentar ter uma ideia sobre o espetáculo, criando uma analogia e percebendo
que aqueles dois personagens agem como destempero das próximas cenas.
O
coro foi uma ideia muito bem sacada pela direção, que teve a proposta de nos
mostrar um elemento muito comum na antiga tragédia grega, onde o coro era
responsável pela interação com o público mostrando a intenção, o sentimento e o
próximo “passo” de cada cena, antes do surgimento do primeiro ator, do segundo,
do terceiro, e assim por diante. Antes da própria ação dramática podemos dizer.
Mesmo sendo criada a ação do diálogo entre o ator com o coro, depois com os
outros atores, o coro continuava tendo a sua representatividade, porém com menos
importância. O coro com o objetivo de interlocutor da encenação, logo
desapareceu. Com o andamento da peça o coro tem aparições pontuais e de muito
bom gosto e com “tiradas” excelentes. Esse regente apresenta o coro como se fosse
seu pertence e diz a todo tempo que se trata de uma formatura. Não é nos dado
logo de cara o significado das ações e das personagens, mas com o passar das
cenas, nos deparamos com o verdadeiro ideal. As cenas retratavam alusões sociológicas
atreladas a passagens bíblicas, como o casamento e a dor da falta do amor
presente na família. Com algumas interrupções dos personagens Armando e
Confusão, podemos perceber que se trata de um ser que se coloca como o regente
do destino, o dono da vida alheia. A próxima cena retrata a situação de um
filho que escreve uma carta datilografada ao pai que o abandonou. Uma cena bem
aparentada com a luz, mas muito longa no seu monólogo. Já nesse decorrer, o
espetáculo nos coloca a impressão de uma tragédia com tempero de comédia, mas
não podemos chamar de tragicomédia, pois ao decorrer do enredo muda de direção.
A cena seguinte relata um pai que sai com o filho para acampar e por um deslize
da vida acaba salvando uma criança do afogamento, e ao se arriscar pelo próximo
seu filho desaparece nas mãos de um psicopata e a dúvida paira nos olhares, pois,
em nenhum momento o texto nos revela se realmente o menino foi morto, mas nos
mostra algumas dicas que nos transmitem algumas versões. Dai para frente o espetáculo
toma um rumo mais religioso, tratando da relação do Demônio e de Deus, a luta
do bem e do mal. Traquinagens e as palavras vingança, perdão, redenção e
ressurreição dominam as cenas seguintes. A princípio não senti a emoção da cena
passada pelo ator, mas quando uma atriz se apresenta como uma voz a ecoar um “hino”
de louvor a Deus, a emoção transgride as barreiras e atinge no peito os
corações das pessoas. A relação de afastamento e estreitamento entre o ser que
renega á Deus pelo ocorrido e a busca pela salvação de um filho, emociona. O
ser renegando a Deus, com o tempo percebe-se que foi preciso perder o filho
para poder se salvar. As intervenções dos atores-cantores realçaram a beleza
das cenas. A atriz com a sua estatura tão pequena possuía uma voz tão linda. O
ator a seguir não fez por menos e encantou os ouvidos e emocionou os olhos do
público. A musicalidade encaixou e levou o sentimento para fora da caixa preta.
Um fato a destacar é o ruído de um chocalho que nos remete ao guizo da
serpente, figura presente em uma parte importante da bíblia. Outro componente
bem “sacado” foi à “tirada” da venda da cintura de um dos atores, que serviu para
compor a ação. A prisão que nós temos dentro do nosso âmago afeta o ego de quem
assisti com tanta força perante aos “arremessos” dos diálogos que a
intencionalidade incomoda. A versatilidade dos atores encheram de alegria os
aspectos de muitos e penetraram no fundo do coração de outros. A cena da
crucificação foi muito criativa, deu uma alusão muito lúdica e simples. A peça
terminou com a mensagem do amor de cristo por nós. Muitos elementos lindos.
Figurinos corretos com a proposta, o cenário simples e com quase nada de
adereços e acessórios. A iluminação cometeu alguns erros, mas nada que diminuísse
os momentos de contrastes entre os personagens, principalmente entre o Demônio,
Cristo e o ser que o renega.
Fica óbvio o trabalho
de direção criativa e de bom gosto. O que pode melhorar é a preparação ainda mais
eficaz de cada ator com os seus sentimentos, com a verdade interior e algumas
técnicas teatrais. Tirando a questão religiosa, que foi executada com muita
beleza, em minha opinião a mudança de panorama do inicio para o meio e fim não
se deu de uma forma adequada. A ruptura foi muito rápida e deu a sensação de
estar assistindo a outro espetáculo. Faltou um pouco mais de sensibilidade de se
perceber realmente a mescla dos elementos no inicio mais cômico intercalado com
a tragédia e com o enquadramento da questão da fé e da crença, onde o caminho se
transformou em duas mãos: a da imposição e a de uma aceitação mais subjetiva. Essas
são observações e uma análise que nunca serão destrutivas, mas sempre com o
intuito de poder ajudar.
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