terça-feira, 11 de junho de 2013

Análise crítica do espetáculo “O Por do Sol” – Cia. QPA

Análise crítica do espetáculo “O Por do Sol” – Cia. QPA – Apresentação no Mapa Cultural de São Carlos de 2013

A Cia. QPA iniciou o seu espetáculo com uma cena que podemos chamar de fazer teatro no teatro. Os atores adentraram ao teatro por uma das portas de entrada na parte superior do palco e desceram o corredor e começaram a dar a intenção que aquele momento era de “apenas” mais um ensaio. Podemos dizer que foi uma maneira interessante. Para quem já tinha assistido ao outro trabalho da Cia. teve a sensação da realização de trabalhos com objetivos diferentes, diversificados. O enredo nos apresenta a figura de um regente chamado Armando que comanda um coro e tem ao seu lado um ajudante chamado Confusão, personagem muito bem pensado, mas com falta de preparo em suas características. Vale ressaltar a composição do personagem Armando que por uma linha muito tênue não se confunde com um mágico, mas com características de um palhaço circense. Do ponto dos primeiros nomes podemos tentar ter uma ideia sobre o espetáculo, criando uma analogia e percebendo que aqueles dois personagens agem como destempero das próximas cenas.
O coro foi uma ideia muito bem sacada pela direção, que teve a proposta de nos mostrar um elemento muito comum na antiga tragédia grega, onde o coro era responsável pela interação com o público mostrando a intenção, o sentimento e o próximo “passo” de cada cena, antes do surgimento do primeiro ator, do segundo, do terceiro, e assim por diante. Antes da própria ação dramática podemos dizer. Mesmo sendo criada a ação do diálogo entre o ator com o coro, depois com os outros atores, o coro continuava tendo a sua representatividade, porém com menos importância. O coro com o objetivo de interlocutor da encenação, logo desapareceu. Com o andamento da peça o coro tem aparições pontuais e de muito bom gosto e com “tiradas” excelentes. Esse regente apresenta o coro como se fosse seu pertence e diz a todo tempo que se trata de uma formatura. Não é nos dado logo de cara o significado das ações e das personagens, mas com o passar das cenas, nos deparamos com o verdadeiro ideal. As cenas retratavam alusões sociológicas atreladas a passagens bíblicas, como o casamento e a dor da falta do amor presente na família. Com algumas interrupções dos personagens Armando e Confusão, podemos perceber que se trata de um ser que se coloca como o regente do destino, o dono da vida alheia. A próxima cena retrata a situação de um filho que escreve uma carta datilografada ao pai que o abandonou. Uma cena bem aparentada com a luz, mas muito longa no seu monólogo. Já nesse decorrer, o espetáculo nos coloca a impressão de uma tragédia com tempero de comédia, mas não podemos chamar de tragicomédia, pois ao decorrer do enredo muda de direção. A cena seguinte relata um pai que sai com o filho para acampar e por um deslize da vida acaba salvando uma criança do afogamento, e ao se arriscar pelo próximo seu filho desaparece nas mãos de um psicopata e a dúvida paira nos olhares, pois, em nenhum momento o texto nos revela se realmente o menino foi morto, mas nos mostra algumas dicas que nos transmitem algumas versões. Dai para frente o espetáculo toma um rumo mais religioso, tratando da relação do Demônio e de Deus, a luta do bem e do mal. Traquinagens e as palavras vingança, perdão, redenção e ressurreição dominam as cenas seguintes. A princípio não senti a emoção da cena passada pelo ator, mas quando uma atriz se apresenta como uma voz a ecoar um “hino” de louvor a Deus, a emoção transgride as barreiras e atinge no peito os corações das pessoas. A relação de afastamento e estreitamento entre o ser que renega á Deus pelo ocorrido e a busca pela salvação de um filho, emociona. O ser renegando a Deus, com o tempo percebe-se que foi preciso perder o filho para poder se salvar. As intervenções dos atores-cantores realçaram a beleza das cenas. A atriz com a sua estatura tão pequena possuía uma voz tão linda. O ator a seguir não fez por menos e encantou os ouvidos e emocionou os olhos do público. A musicalidade encaixou e levou o sentimento para fora da caixa preta. Um fato a destacar é o ruído de um chocalho que nos remete ao guizo da serpente, figura presente em uma parte importante da bíblia. Outro componente bem “sacado” foi à “tirada” da venda da cintura de um dos atores, que serviu para compor a ação. A prisão que nós temos dentro do nosso âmago afeta o ego de quem assisti com tanta força perante aos “arremessos” dos diálogos que a intencionalidade incomoda. A versatilidade dos atores encheram de alegria os aspectos de muitos e penetraram no fundo do coração de outros. A cena da crucificação foi muito criativa, deu uma alusão muito lúdica e simples. A peça terminou com a mensagem do amor de cristo por nós. Muitos elementos lindos. Figurinos corretos com a proposta, o cenário simples e com quase nada de adereços e acessórios. A iluminação cometeu alguns erros, mas nada que diminuísse os momentos de contrastes entre os personagens, principalmente entre o Demônio, Cristo e o ser que o renega.
Fica óbvio o trabalho de direção criativa e de bom gosto. O que pode melhorar é a preparação ainda mais eficaz de cada ator com os seus sentimentos, com a verdade interior e algumas técnicas teatrais. Tirando a questão religiosa, que foi executada com muita beleza, em minha opinião a mudança de panorama do inicio para o meio e fim não se deu de uma forma adequada. A ruptura foi muito rápida e deu a sensação de estar assistindo a outro espetáculo. Faltou um pouco mais de sensibilidade de se perceber realmente a mescla dos elementos no inicio mais cômico intercalado com a tragédia e com o enquadramento da questão da fé e da crença, onde o caminho se transformou em duas mãos: a da imposição e a de uma aceitação mais subjetiva. Essas são observações e uma análise que nunca serão destrutivas, mas sempre com o intuito de poder ajudar.



Nenhum comentário:

Postar um comentário