sábado, 21 de junho de 2014

A VIDA DE WILLIAM SHAKESPEARE - MULHERES NAS OBRAS

A VIDA DE WILLIAM SHAKESPEARE



MULHERES NAS OBRAS 

Muitas das personagens de Shakespeare representam esse espírito renascentista: ambas, tanto as masculinas quanto as femininas se rebelam contra ideias e valores obsoletos, e se firmam na sua determinação de pensar e agir de acordo com sua própria consciência individual. Shakespeare imprimiu um novo enfoque à arte da caracterização das personagens em suas peças. Na obra shakespeariana encontra-se a expressão desses dois mundos em tensão: ele investiga o homem de seu tempo, mostrando os conflitos, os choques de ideias e os valores daquele momento histórico. Discute e questiona os códigos éticos e morais, disputas legais e de estado, questões de gênero, raça, classe social, e problemas existenciais causados, principalmente, pelas mudanças religiosas – catolicismo, anglicanismo e protestantismo. 


Na Inglaterra de Shakespeare, o homem podia exercer uma grande variedade de papéis de acordo com suas possibilidades. Sua identidade derivava exclusivamente do sexo ao qual pertencia: podia ser mãe, esposa ou viúva; dama ou criada; virgem, prostituta ou bruxa. 

A natureza da mulher, segundo essas mesmas crenças, não era adequada para assumir papéis de destaque na sociedade, na política, nas artes, no mundo dos negócios e nas relações diplomáticas. Após a morte prematura de Eduardo VI (1537-1553), e na absoluta falta de um herdeiro masculino, duas filhas de Henrique VIII (1491-1547), Maria (1516-1558) e Elisabete (1533-1603), tornaram-se rainhas; um fenômeno sem precedentes que até então havia sido impensável numa sociedade patriarcal. Em 1558, com a morte de Maria I e a ascensão de Elisabete I ao trono, uma era de paz e prosperidade transformou a Inglaterra em uma das principais potências do cenário político da época. Elisabete I teve poderes absolutos durante o seu reinado, e com a imagem do soberano-mulher que criou de si mesma, exprimia a ambiguidade dos papéis fixos supostamente inscritos na natureza do homem e da mulher. 

Nos reinados da rainha Elisabete I (1558-1603) e do rei Jaime I (1603-1625), as mulheres inglesas gozavam de maior liberdade do que suas irmãs na Europa continental. Os viajantes que vinham do estrangeiro ficavam surpresos com o comportamento delas, que não eram confinadas em casa como na Espanha e em outros países: além das igrejas, elas tinham permissão de frequentar outros lugares públicos, tais como mercados, feiras e teatros, onde se constituíam em uma parte importante dos espectadores. As restrições enumeradas acima também não se aplicavam a todas as mulheres; registros e documentos da época informam sobre mulheres que exerciam diversas profissões, possuíam propriedades, e eram chefes de família. Também, suas investigações sugerem que os textos do Bardo podem ser lidos tanto para afirmar como para negar ideologias sexistas. 

Não devemos esquecer que, durante grande parte do período criativo de Shakespeare, a soberana absoluta fora uma mulher, Elisabete I, fato que, sem dúvida, repercutiu nas estruturas do patriarcado, e provocou discussões a respeito dos papéis sociais dos homens e das mulheres. Através do questionamento do que é natural e do que é construção social, Shakespeare mostra sabedoria em relação à insatisfação das mulheres diante dos estereótipos que lhes eram impostos: ele deu, muitas vezes, vez e voz à mulher, pois soube compreender as fraquezas e potencialidades humanas. 

Apesar de os protagonistas das tragédias serem predominantemente masculinos, em duas delas, Romeu e Julieta (1594-96) e Antônio e Cleópatra (1606-1608), as heroínas compartilham do destino trágico dos heróis. A ousadia de Julieta é reconhecida universalmente pelos críticos: ela questiona a autoridade paterna e se recusa a seguir os códigos sancionados pela estrutura normativa do patriarcalismo, priorizando sua identidade pessoal em detrimento da social. 

E Cleópatra, uma das mais fascinantes heroínas de Shakespeare, é ainda mais ousada, visto que a sua posição de rainha lhe garante o que a maioria das mulheres não possuía: independência. Cleópatra não é apenas soberana de um povo, mas também de si mesma. Mas é no universo das comédias que a autora Anna Stegh Camati estabelece uma confusão de identidades, que contradiz e subverte a visão tradicional da mulher, sugerindo que os conceitos de ‘masculinidade’ e ‘feminilidade’ são criações culturais e, como tais, comportamentos aprendidos através do processo de socialização, que condiciona diferentemente os sexos para cumprirem funções específicas e diversas como se fossem partes de suas próprias naturezas. E procuram demonstrar em suas reflexões que as heroínas de Shakespeare são fortes, inteligentes e decididas; possuem agudeza de espírito, perspicácia, determinação, audácia, independência, versatilidade e fluência verbal: Shakespeare subverte as ortodoxias da sociedade patriarcal e questiona a noção de uma identidade original ou primária do gênero. Ele captou no ar as inquietações do período em que viveu e, sendo dotado de uma sensibilidade apurada, deu corpo e voz às novas ideias.

Anna Stegh Camati é uma estudiosa de Shakespeare que coordena um importante festival anual em homenagem ao escritor em Curitiba/Brasil. É professora de inglês e Literatura Americana no Centro Universitário Campos Andrade, por isso nos serviu de fonte.













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